quinta-feira, 24 de julho de 2008

A gaguez de Mariano


Tal Platão na Escola de Atenas, Gago aponta para o céu. Nova imagem da ciência e da cultura em Portugal. Onde irá parar a ambição deste filósofo?

Há quem diga que é mesmo no céu. Ah, não, melhor: no MIT.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Volto mais tarde

Para escrever aqui é preciso ter despejado baldes de palavras noutro lado qualquer. Caso contrário, obriga-se pessoas que, coitadas, não têm culpa nenhuma de deficiências do hipotálamo ou de disfunções hormonais alheias, a beberem uma série de confissões católicas sempre adiadas.
Por tudo isto, vou ali escrever e já venho.

sábado, 28 de junho de 2008

re-aparição. vive-se


terça-feira, 22 de abril de 2008

Sabes que horas são?

São horas de partir- disse.

Mãos nossas

De olhos abertos se vê a verdade das coisas escondidas. Abrir os olhos é duro como dói o arrependimento de tanto tempo, tanta vida cerrada. Quem toca os teus olhos melhor do que tu? Sabes sentindo quando eles estão prontos a abrir, a deixar entrar o dia; e sabes quando chega a noite que, impondo-se, comanda. De olhos fechados não há mãos que se dão, há pedaços de carne atados cheios de dedos. Pedaços de carne juntos, formam um único pedaço. De noite, com os olhos abertos a escuridão por vezes cerra a visão, fazendo ausentar-se de qualquer feixe luz. A tranquilidade interior e a confiança em nós próprios, faz-nos cerrar os olhos, como que aceitando o poder da noite sabendo que não poderá entrar neles algum rasgo de dia por breves horas. Juntam-se então os pedaços de carne análogos a um momento, a um pedaço de tempo uno e singular. Os olhos reabrem-se instantes depois, instantes que vencem as horas que passaram no mundo exterior. Reabrem-se com o feixe de luz que permite que não haja mais um pedaço, o feixe de luz manifesta-se como uma faca que corta o pedaço. Vê-se a verdade, o pedaço de carne não era afinal um pedaço mas sim pedaços, pedaços querendo voltar a ser pedaço, pedaços que desejam que a noite os deixem voltar a ser pedaço, pedaços que se perguntam a si mesmos porque terá que existir coisa tal como abrir os olhos, coisa essa que não deixa ser pedaço.
P e J

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Amigos!

Venho expressar a minha vergonha -isto mesmo- e alguma tristeza em vos ter deixado cerca de um mês e um dia sem notícias e provocado em vós essa nítida ansiedade que terá abalado o curso natural das vossas vidas... O meu desejo mais profundo é que o meu regresso não aumente a doença, nem tampouco traga a cura, mas tenha o efeito já conhecido de um contínuo combate entre aborrecimento e euforia!

domingo, 16 de março de 2008

Oitenta anos

Esta coisa da insónia propositada de que falava o António... Não, ela não ficava acordada por ter uma doença grave ou essa coisa não tão grave mas doença que é a insónia. Não acredito que aquilo fosse essa insónia. Ela tinha medo de qualquer coisa que à noite podia acontecer se ela estivesse a dormir. A coisa de que ela devia ter mesmo medo e quase diria terror(disse isto?) era da ausência de coisas a acontecer enquanto dormia. Pensando bem, um medo cheio de consciência-um medo pode ser assim?- mas um medo. À noite, quando se está acordado, as coisas não acontecem diferente por que estamos acordados. Agora quase tive a coragem de dizer acordados com toda a certeza ligeira, mas retiro já e digo apenas acordado porque nunca se sabe se alguém vai ler isto um dia e ainda mais se ao ler acha mesmo que as coisas à noite quando se está acordado são diferentes. Eu podia discutir isso. Discuto. Mas preciso de alguém para fazê-lo, alguém que tenha a falta de originalidade e tempo suficiente para dispender numa coisa como esta. Porque numa altura em que os oitenta anos estão aí quase a tocarem à porta e a dizerem para descer no elevador, já ninguém (por mais vezes que tenha encarnado num sofista grego ou que goste de dizer aquelas coisas apenas porque dizer coisas e coisas bonitas os faz acreditar mais em si e no progresso, que é uma coisa que nem sempre evolui para o melhor) me convence assim. De qualquer maneira dizia eu que aos oitenta anos é preciso não ter vocação nenhuma na arte da retórica para me persuadir e alguém que escolhesse dialogar(ainda por cima a estas horas) acerca de se as coisas à noite, quando estou acordado, são diferentes, era decerto capaz de trazer um canudo todo em retórica. Ainda há uns canudos que se oferecem ao fim de uns anos de canudice, ou como é que essa coisa se chama, e que muito bem desenvolvem meninos nas artes dos sophoi. Mas isto tudo para dizer que à noite as coisas passam daquela maneira como quando se vai ao teatro e não se percebe nada do que se está vendo. Uns homens a espernear, umas mulheres a assistir ou a espernearem com eles e uma plateia a vibrar não sei nem nunca entendi se por entenderem tudo tão bem, fazendo juízos complicados ou guardando-os para fazerem figura à noite quando chegam a casa, na cama, ou se no café das seis e meia da tarde do dia seguinte. Ainda assim, sem cafés de seis e meia prometidos nem desejos de contar na cama os êxtases teatrais, escolho -não escolho, acontece-me- que fico sempre sem saber se o que assisto no palco em frente aos olhos é para ser decifrado, falado, pensado, ou se apenas quando vou a esses lugares me compete ver e calar, nem sequer pensar(posso?). Também me podem dizer que tenho apenas de sentir, mas aos oitenta anos tenho medo de chegar ao teatro, desejar sentir e não conseguir. O médico disse-me que essa coisa das sinapses e dos hemisférios que me andam a atacar. Não sei se é verdade, porque nunca tentei saber, mas o certo é que prefiro que não me dêem palpites inteligentes e eu assim posso continuar a ir ao teatro sem esta auto-promessa de apenas sentir e não pensar ou a outra de pensar como o homem tão inteligente e tão feio, porco, ao meu lado. Mas tem óculos e até um lenço(não, não correm lágrimas, assoa-se). Assim quando entro na sala fria do teatro não vou com nada, sou vazio, e então esqueço-me que já não consigo sentir porque oitenta anos não é como quando tinha setenta e então fico feliz e tenho a certeza que os homens a espernear e as mulheres a assistir ou a espernear com eles são como aqueles que vejo da minha janela e que em vez de palco pisam a rua. Aí estou em casa e em casa não tenho esses homens de lenço a assoar e posso olhar tudo. Não tenho esses lenços nem esses óculos mas em casa tenho a mesa, as duas laranjas e a cama em que me deito e já não penso, só durmo e espero pela sessão de amanhã. Porque tenho esta teimosia absurda de que amanhã vai valer a pena entrar na sala, sentar-me e as coisas serem diferentes. Mas isso só acontece quando ganho a coragem de me enfiar nos lençóis e fingir que morro de sono. Só eu sei que de sono não morro nem morrerei. Aos oitenta anos a gente não morre de sono.